domingo, 19 de maio de 2013

Divagações sobre folhas e filhos II

    Faz um tempo, e umas crônicas, que comentei aqui sobre a árvore na frente da minha casa. Relendo o texto hoje, e observando a mesma árvore, resolvi voltar à carga. Isso porque moro numa região que tem as quatro estações mais ou menos definidas, sendo que já estamos no outono e a dita árvore mal começou a soltar suas folhas.
    Pra quem não leu a crônica original, que saiba que a tal árvore chega no inverno completamente despojada de folhas e frutos. Estamos no outono e passei um tempo bem grande juntando o que caiu dela e que, pra ajudar, o vento espalhou. As folhas eram tantas, mas tantas, que dificultavam encontrar a sujeira de minhas cachorras que tenho também que limpar do quintal.
    Em certo ponto do trabalho eu olhei pra cima, e me toquei de que ainda terei que juntar, com espeto e rastelo, cada folha e cada semente que ainda se penduram nos seus galhos. E isso tudo até o inverno, que já nos acena da curva. Uma por uma. Fico tentado a me pôr mal humorado e a reclamar da vida. Mas meu papel virtual não me permite este tipo de humor, vai me corrigindo e acertando ao longo da escrita. Parece que tem vontade própria. Ou que me conhece. Afinal ele guarda tudo que lhe confidenciei, neste curto espaço de tempo em que me confesso com ele.  Tem memória muito boa, basta perguntar que ele me lembrará do estado de espírito com que a primeira parte desta crônica foi escrita.
    Pois que assim seja, papel virtual. E que assim seja, árvore do meu quintal da qual já sei o nome, e que todo ano troca seu guarda roupa e se desnuda para o inverno. Proceda seu ritual, que eu de minha parte assisto o espetáculo, de ancinho na mão a resmungar que o trabalho nem parece que foi feito ainda há pouco.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Colaborador do blog

    Nasceu Feicibúquison Pseudônimo de Oliveira. De parto normal, já com 22 anos de idade. Sua mãe, costuteira na cidade de Cabeceira Grande, na divisa de Minas com o Distrito Federal, quase teve um troço quando o viu aquele sujeito de barba por fazer nascendo dela e perguntando o que tinha pra comer. Mas vai vivendo e sendo feliz.
    Ao contrário do que pode parecer, o nome dele é sim nome próprio, dele mesmo, e não inventado como se imagina. Resultado da predileção da sua mãe, D. Aurora, pelos nomes que lhe parecem nome de gente importante. Nome diferente. Coisas de gente da roça, de pouca instrução.
    Ele é primo terceiro de Seu Tritônio e de Seu Asteróide, e parente distante de D. Adicione. Como pode-se ver, esse negócio de nome é coisa de família.
    Pessoa de pouca instrução mas de muita cultura, aprendeu a ler sozinho e passou longe dos bancos de escolas. Seria analfabeto de pai e mãe até hoje se não fosse sua paixão pelos livros e sua vontade ferrenha de decifrar os escritos. Está descobrindo a tecnologia, principalmente agora que chegou internet lá pelas bandas da roça onde mora, na Cabeceira Grande mesmo.

quarta-feira, 15 de maio de 2013

De heróismos, hospitais e cachaças

    Meus heróis não morreram de overdose. Pelo contrário. Meu único herói está morrendo aos poucos, sozinho numa cama de UTI, lutando bravamente contra infecções e tumores e seja lá o que mais que resolveu se aproveitar de sua avançada idade. Está sozinho numa cama de UTI e eu não posso acudí-lo. Impedem-me a distância, as responsabilidades muitas, as regras hospitalares, além de minha ensurdecedora ignorância acerca dos males que o afligem.
    Gente de muito melhor gabarito cuida dele, gente que entende dos elixires da vida e da morte, mas ainda assim gente que não é sua gente, que não conhece sua história nem suas histórias, não sabe de seu gosto por família e horta, não sabe de suas vaidades nem suas virtudes. Gente que está ali para curá-lo dos males do corpo mas não tem nem como estar preparada para seus males de espírito.
    Meus heróis não morreram de overdose. Meu herói me ensinou e fez saber que isso é coisa que deve ser evitada, me mostrou o lado certo e o errado da vida e me deu discernimento para fazer minhas escolhas. E melhor ainda, me apoiou mesmo nas muitas escolhas erradas que fiz por esta minha vida.
    Herói que no dia a dia me ensinou o valor de pequenas coisas, não preciso que me deixe herança. Porque o que de melhor pode me deixar, dele já me apossei. Seu caráter ilibado, sua perseverança, seu bom humor e seu jeito estranho de morder a língua enquanto faz qualquer coisa, de salvar o mundo a guardar o pinto depois de mijar.
    Não preciso que me deixe herança porque prefiro a sua presença. Preciso que ensine o último de seus ensinamentos, o de como vencer a UTI, a bactéria, o tumor, o sofrimento de hospital e sair dando risada disso tudo, contando as histórias entre bicadas da cachacinha da roça e cheiros de comida caseira sendo preparada. na cozinha ali do lado.