quarta-feira, 15 de maio de 2013

De heróismos, hospitais e cachaças

    Meus heróis não morreram de overdose. Pelo contrário. Meu único herói está morrendo aos poucos, sozinho numa cama de UTI, lutando bravamente contra infecções e tumores e seja lá o que mais que resolveu se aproveitar de sua avançada idade. Está sozinho numa cama de UTI e eu não posso acudí-lo. Impedem-me a distância, as responsabilidades muitas, as regras hospitalares, além de minha ensurdecedora ignorância acerca dos males que o afligem.
    Gente de muito melhor gabarito cuida dele, gente que entende dos elixires da vida e da morte, mas ainda assim gente que não é sua gente, que não conhece sua história nem suas histórias, não sabe de seu gosto por família e horta, não sabe de suas vaidades nem suas virtudes. Gente que está ali para curá-lo dos males do corpo mas não tem nem como estar preparada para seus males de espírito.
    Meus heróis não morreram de overdose. Meu herói me ensinou e fez saber que isso é coisa que deve ser evitada, me mostrou o lado certo e o errado da vida e me deu discernimento para fazer minhas escolhas. E melhor ainda, me apoiou mesmo nas muitas escolhas erradas que fiz por esta minha vida.
    Herói que no dia a dia me ensinou o valor de pequenas coisas, não preciso que me deixe herança. Porque o que de melhor pode me deixar, dele já me apossei. Seu caráter ilibado, sua perseverança, seu bom humor e seu jeito estranho de morder a língua enquanto faz qualquer coisa, de salvar o mundo a guardar o pinto depois de mijar.
    Não preciso que me deixe herança porque prefiro a sua presença. Preciso que ensine o último de seus ensinamentos, o de como vencer a UTI, a bactéria, o tumor, o sofrimento de hospital e sair dando risada disso tudo, contando as histórias entre bicadas da cachacinha da roça e cheiros de comida caseira sendo preparada. na cozinha ali do lado.

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